O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,47% em março, acumulando alta de 6,59% em 12 meses e ultrapassando o teto da meta do BC.
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| Estouro da meta: inflação subiu 6,59% em 12 meses até março |
A maior relevância do anúncio sobre o estouro da meta de inflação em
março (em taxa anualizada) é o fato de que ele encerra, de uma vez por
todas, a discussão sobre a leniência do governo em relação ao avanço dos
preços. Os números - e apenas eles - confirmam tal descaso. O que disse
a presidente Dilma Rousseff sobre a orientação do governo em relação à
inflação, há algumas semanas, em Durban, na África do Sul, comprovou-se -
ainda que ela tenha desmentido rapidamente o fato,
para tentar conter o stress do mercado. Dilma havia afirmado que não
era preciso sacrificar o crescimento econômico para combater a inflação.
Diante da concretude de um IPCA acumulado em 6,59% em 12 meses,
seria bom que o governo parasse com movimentos hipócritas e jogo de
palavras. O fato é que, ao longo dos dois anos de governo Dilma, a
retórica econômica ditada pela própria presidente serviu para combater
os inimigos errados - e deixou sair ilesa a inflação.
Não que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, fosse um exímio
adepto da ortodoxia econômica. Contudo, ao menos em relação às
ferramentas de controle inflacionário e à independência do Banco
Central, Lula mantinha uma comportamento adequado. O então presidente do
BC, Henrique Meirelles, tinha autonomia para subir os juros quando
constatasse qualquer respiro do dragão inflacionário, ainda que essa
atitude pudesse despertar a ira
do ministro desenvolvimentista, Guido Mantega. Resultado disso é que,
em 2007, ano em que a economia brasileira avançou 5,4%, a inflação
fechou o ano abaixo do centro da meta (de 4,5%), a 4,46%.
Na reta final do governo Lula - e ante a saída iminente de Meirelles do
BC - dois componentes ajudaram o IPCA a extrapolar o centro da meta em
2010: a gastança pública característica de ano eleitoral e a timidez com
que o BC subiu os juros naquele ano - a Selic passou "apenas" de 8,75%
para 10,75%. À época, Meirelles foi criticado por ter demorado para
subir os juros - e a Selic fechou o ano em 5,91%, número dentro da banda
prevista pela autoridade monetária, mas acima da meta de 4,5%.
Começo equivocado
O mandato da presidente Dilma
Rousseff começou, em 2011, com a inflação aquecida. O IPCA de janeiro de
2011 ficou em 0,83%, maior taxa mensal desde abril de 2005 (0,87%). No
acumulado em 12 meses, o índice estava em 5,99%. Contudo, ao contrário
de Lula, a presidente logo deu indícios de que a autoridade monetária
não ficaria livre de seus desmandos. Em diversas ocasiões a presidente afirmou que o Brasil teria juros baixos,
como se essa fosse uma decisão digna de decreto presidencial. No início
daquele ano, a equipe econômica era taxativa ao afirmar que o avanço
inflacionário era causado pelo choque de preços no mercado internacional
e que o Brasil estava "importando" esse movimento - ou seja, que não se
tratava de um descontrole local. Diante de tal certeza, o ministro
Guido Mantega pilotou uma série de medidas para conter problemas que, em
sua avaliação, eram mais graves que a inflação - como a chamada "guerra
cambial".
Para sanar tal incômodo, o ministro lançou mão de sucessivos aumentos
no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de
dólares no Brasil e, com isso, tentar desvalorizar o real - em julho de
2011, o dólar chegou a ser cotado a 1,57 real. Na avaliação do governo, a
moeda brasileira estava muito apreciada e tal situação - que era
reflexo dos fundamentos do país na época - prejudicaria as exportações
de manufaturados e estimularia a entrada de importados no mercado
brasileiro - algo visto como ruim para o PT, já que os importados
concorrem e ganham da indústria local e podem comprometer a criação de
empregos.
No final daquele mesmo ano, após sucessivos aumentos do IOF para coibir
entrada de dólares por meio de investimentos de curto prazo no mercado
financeiro, a moeda americana, enfim, atendeu aos anseios do Planalto e
começou a se valorizar, chegando perto de 1,90 em outubro - movimento
que impactou o avanço da inflação porque encareceu as importações, sobretudo de insumos agrícolas.
Ainda em 2011, mesmo lançando mão do IOF para combater o real forte, o
Banco Central era adepto de alguma ortodoxia e utilizava a taxa básica
de juros (a Selic) como forma de tentar conter a inflação acelerada - os
juros subiram até o final do primeiro semestre, quando chegaram a
12,5%. Porém, num movimento inesperado e muito criticado, o BC passou a
reduzir a Selic a partir da reunião de julho de 2011, antevendo um
agravamento da crise do euro. Ao final daquele ano, a inflação tocou o
teto da meta de 6,5% diante de uma Selic em franca desaceleração e um
Produto Interno Bruto (PIB) decepcionante: a economia havia crescido
apenas 2,7% em 2011. À época, a desculpa da economia superaquecida já
não era justificativa para a inflação alta, como ocorreu em 2010.
A tendência de queda da Selic perdura, à revelia do mercado. Desde
julho de 2011 a taxa básica de juros é mantida estável ou em queda, seja
qual for o desempenho do IPCA. Ao longo de 2012, a autoridade monetária
se negou a reconhecer a necessidade de aumentar a Selic como forma de
combater a alta dos preços. Apenas na reunião de março deste ano houve
uma leve mudança no comunicado que acompanhou a decisão do Comitê de
Política Monetária (Copom), evidenciando a possibilidade de uma possível
subida dos juros. Contudo, segundo economistas, tal movimento já
deveria ter começado há muito tempo. "Nossa visão é de que, para
fortalecer sua credibilidade e frear a deterioração da inflação, o Banco
Central precisa agir logo. Não há razão para não subir o juros, diante
do atual cenário", aponta o economista do banco Goldman Sachs, Alberto
Ramos, em comunicado enviado a investidores após a divugação do IPCA na
manhã desta quarta.
Política industrial
Além de tentar conduzir,
artificialmente, a cotação do dólar, nos últimos dois anos, o governo
também valeu-se de uma política industrial com viés protecionista com o
objetivo de melhorar a situação da indústria brasileira. Ele acreditava
que, ao reduzir o custo Brasil, poderia estimular o crescimento de
investimentos no país. Para isso, criou uma política industrial baseada
em desonerações para setores castigados pela concorrência externa,
compras governamentais que dão preferência a fornecedores nacionais e
uma série de estímulos para que a indústria brasileira conseguisse
avançar, apesar das adversidades. Contudo, o plano - chamado de Brasil
Maior - é uma colcha de retalhos desconexa e complexa até mesmo para a
própria indústria que é alvo das benesses. E, até o momento, ele falha
em conseguir reduzir o custo Brasil, ao mesmo tempo em que promove uma
queda colossal na arrecadação do governo.
Os estímulos artificiais do estado exercem peso sobre os preços, assim
como o dólar valorizado. A demanda, por sua vez, não cede - e é
garantida pela expansão do setor de serviços, cujo PIB cresceu 4,4% no
acumulado de 2011 e 2012, e vem ajudando a garantir os empregos que a
indústria não consegue manter. "Ao pretender responder a todas as
demandas do empresariado, dos consumidores e de quem mais bater à porta
do governo, ele acaba produzindo um conjunto de medidas bem
intencionadas, mas dotadas de baixa eficácia para promover os objetivos
preconizados: expansão do investimento e do crescimento”, diz Felipe
Salto, da Tendências Consultoria.
Optar por subir a Selic neste momento é uma alternativa que trará ônus
político para a presidente Dilma - sobretudo quando se constata que a
corrida eleitoral está a todo vapor. Porém, ela não só é necessária,
como urgente. “Essas medidas (as desonerações) mostram certo desespero
por parte do governo, que tenta combater a inflação com mecanismos de
natureza popular, usados como instrumento político e eleitoral - e
que não são os mais adequados”, afirma o professor do Insper, Otto
Nogami.
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