As imagens
da violenta detenção do prefeito de Caracas, o opositor Antonio Ledezma, na
noite da última quinta-feira, mostrou aos venezuelanos e ao mundo que o governo
do presidente Nicolás Maduro decidiu assumir, abertamente, seu perfil
autoritário e militarista. Essa é a opinião de analistas e representantes de
ONGs locais ouvidos pelo GLOBO, que admitiram ter ficado surpresos pela
gigantesca operação montada para prender Ledezma, levado por mais de cem
agentes à sede do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), onde ficou
detido até sexta-feira. Estimativas calculam que, hoje, existem mais de 60
presos políticos na Venezuela, entre eles dirigentes opositores, estudantes,
policiais e militares.
Um dos
principais líderes da ala mais radical da oposição, o prefeito ainda não foi
acusado formalmente pela Justiça. Na madrugada desta sexta-feira, ele reuniu-se
com sua mulher e seu advogado e enviou uma clara mensagem à população:
— A única
maneira de recuperar a democracia é estar na rua.
No ano
passado, quando o país viveu uma onda de protestos que acabou com 41 pessoas
mortas, o Programa Venezuelano de Ação e Educação em Direitos Humanos (Provea)
divulgou relatório apontando que, desde que chegou ao poder, em abril de 2013,
o presidente Maduro foi 480% mais repressor do que seu antecessor, Hugo Chávez,
em seu pior momento. Foram comparados números de presos políticos, pessoas
assassinadas em manifestações e denúncias de torturas.
— Maduro
apelou para um Estado militarista, policial e repressor para resolver os
conflitos — disse Rafael Uzcátegui, do Provea. — Nem mesmo em 2007, ano em que
Chávez enfrentou fortes resistências internas, o chavismo cometeu abusos como
os de hoje. Os militares estão nas ruas do país, querem intimidar a população,
impedir protestos, limitar as liberdades e, com tudo isso, tornar invisíveis os
problemas.
A nova onda
repressora acontece a poucos meses das próximas eleições legislativas,
previstas para meados do ano, e com o país mergulhado numa dramática crise
econômica. No momento em que a oposição tenta rearmar-se para um novo desafio
eleitoral, Ledezma foi acusado de estar por trás de um plano conspiratório, em
parceria com os EUA, para derrubar o governo. O presidente - que costuma chamar
o opositor de "vampiro" — usou como argumento um recente comunicado
assinado pelo prefeito, pela deputada cassada María Corina Machado e pelo
dirigente opositor Leopoldo López, preso há um ano, no qual se exige a renúncia
de Maduro como única saída para uma "transição democrática".
A acusação
foi rechaçada pelos EUA, que manifestaram "profunda preocupação pela
escalada de intimidações" contra opositores. Nesta sexta-feira, em uma
manifestação que reuniu diversos nomes da oposição em Caracas, María Corina
assegurava que "a ditadura de Maduro foi desmascarada". Henrique
Capriles, principal líder da oposição, apresentou a última pesquisa do
Datanálisis, que indica que 73,7% dos entrevistados avaliam mal o governo.
Dentre os chavistas, 51,3% deles acreditam que a situação do país está ruim.
— Eles
pretendem prender todos os opositores e todos os líderes da oposição. E estamos
dispostos a ir presos — disse. — A Venezuela vive a pior situação econômica e
social da nossa história.
Com uma
crise cada vez mais profunda, Maduro está, na opinião da socióloga Margarita
López Maya, buscando mostrar-se forte, no momento de mais fragilidade.
— A
popularidade do presidente não passa de 20% e hoje todas as pesquisas mostram
que 80% dos venezuelanos estão insatisfeitos. E o que o presidente faz? Prende
os opositores.
Para ela,
as detenções devem continuar. O próprio Maduro mencionou em sua última cadeia
de rádio e TV os próximos nomes da lista: María Corina e o deputado Julio
Borges, figura de proa do partido Primeiro Justiça.
Na
quinta-feira, Maduro anunciou que pedirá ao presidente da Assembleia Nacional,
o militar Diosdado Cabello, e ao procurador-geral que preparem um conjunto de
propostas legislativas contra grupos que "fazem política armada e logo
depois aparecem com cara de cordeiros para participar das eleições".
— A prisão
foi uma jogada para conseguir apoio dentro e fora do governo — opinou Ignácio
Ávalos, do Observatório Eleitoral Venezuelana. — Maduro está entrando num
terreno muito perigoso. O governo aprovou medidas de controle social inéditas,
permitiu o uso de armas de guerra em algumas circunstâncias, criou os patriotas
cooperantes, uma espécie de agentes de inteligência civis, enfim, reforçou
mecanismos militaristas e autoritários para preservar o poder — explicou ele, que
não descartou a possibilidade de que as eleições sejam adiadas.
Capriles
compartilha da opinião.
— O governo
está derrotado e não quer eleições este ano. Mas elas serão a chave para
libertar os presos. — disse.
O
Globo
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