No começo deste mês, a
presidente Dilma Rousseff fez uma pausa em sua agenda de trabalho para discutir
o rumo das investigações do petrolão, o maior esquema de corrupção da história
do país. Numa conversa reservada, ela se mostrou impressionada com os depoimentos
prestados por Pedro Barusco, o ex-gerente da Petrobras que acusou o PT de
embolsar até 200 milhões de dólares em propinas arrecadadas de fornecedores da
companhia. Sobre a forma, a presidente disse que Barusco era detalhista e
organizado. Sobre o conteúdo, foi taxativa: "Ele entregou o Vaccari",
declarou, referindo-se ao tesoureiro petista, João Vaccari Neto. Para a
surpresa do interlocutor, a presidente não demonstrou apreensão. Depois de
afirmar que o tesoureiro não tinha relações políticas com ela, Dilma insinuou
que, se alguém deveria estar preocupado, esse alguém era o ex-presidente Lula.
Naquela mesma semana, em um encontro em São Paulo, o antecessor também se fez
de desentendido. A um petista graduado, Lula, mais uma vez, representou seu papel
predileto, o do Capitão Renault, que no clássico Casablanca embolsa um envelope
com seus ganhos na noite, enquanto finge surpresa com a descoberta do cassino
em funcionamento no Ricks Cafe. Disse Lula Renault: "Eu quero saber se tem
rolo nessas transações".
Desde 2003, quando o PT
assumiu o poder, Lula nunca mais soube de nada. No caso do petrolão, não é
diferente. Desde a eleição passada, quando se trata do esquema de corrupção,
Dilma lava as mãos e posa como saneadora da Petrobras. Os dois querem se afastar
de Vaccari, mas as informações colhidas pelas autoridades mostram que o
"mochila" - ou Moch, como o tesoureiro era chamado - é um operador a
serviço dos dois presidentes. Um operador que agora está preso e, na condição
de investigado e encarcerado, tende a aumentar o desgaste da imagem do governo,
do PT e de seus dois principais líderes. No fim do ano passado, o detalhista
Barusco declarou às autoridades que agiu em parceria com Vaccari e o ex-diretor
da Petrobras Renato Duque, a fim de levantar dinheiro sujo para os cofres
petistas. Vaccari nunca explicou por que se reunia tanto com Barusco e Duque, e
sempre insistiu na tese de que as empreiteiras fizeram doações ao partido
dentro da lei. Se no mensalão tudo não passara de "caixa dois", como
alegara Delúbio Soares, o primeiro tesoureiro do PT preso, no petrolão tudo
agora seria "caixa um", ou financiamento legal, na novilíngua de
Vaccari, o segundo tesoureiro do PT preso num prazo de um ano e meio.
Essa versão já havia
sido desmentida por empresários. Eles confirmaram que pagaram propina e que o
tesoureiro usou a Justiça Eleitoral para esconder o crime. A novidade é que
Vaccari, segundo as autoridades, também praticou o bom e velho "caixa
dois", que teria custeado uma despesa da primeira campanha presidencial de
Dilma Rousseff. Ao determinar a prisão dele, o juiz Sérgio Moro relatou
informações prestadas por Augusto Mendonça, executivo da Setal. Um dos
delatores do petrolão, Mendonça disse que, em 2010, Vaccari determinou a ele
que repassasse 2,5 milhões de reais à Editora Atitude, controlada por
sindicados ligados à CUT e ao PT. O dinheiro, de acordo com o delator, foi
descontado da propina que a empreiteira devia ao partido como contrapartida por
contratos na Petrobras. Os pagamentos começaram a ser realizados em junho
daquele ano. Três meses depois de a Setal começar a desembolsar a propina, na
véspera da eleição, a gráfica imprimiu 360 000 exemplares da Revista do Brasil,
edição que trazia na capa a pré-candidata Dilma Rousseff e o título "A vez
de Dilma".
O Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) puniu a gráfica por propaganda eleitoral irregular a favor da
petista. Depois de eleita, Dilma nomeou o ex vice-presidente da CUT José Lopez
Feijóo, um dos comandantes da Editora Atitude, para um cargo de destaque na Secretaria-Geral
da Presidência, onde ele despacha até hoje. Disse o juiz Moro: "Observo
que, para esses pagamentos à Editora Atitude, não há como se cogitar, em
princípio, de falta de dolo dos envolvidos, pois não se trata de doações
eleitorais registradas, mas de pagamentos efetuados, com simulação, total ou
parcial, de serviços prestados por terceiros, a pedido de João Vaccari".
Como estratégia de defesa, Dilma tenta erguer uma espécie de cordão sanitário
entra ela e o tesoureiro do PT. A suspeita de caixa dois põe em xeque a solidez
dessa barreira, que também está ameaçada por outros dados de conhecimento das
autoridades. Após a descoberta do mensalão, o PT adotou um novo modelo de
arrecadação e instituiu dois tesoureiros - um para o partido, outro para o
candidato a presidente. Dilma alega que Vaccari atuava apenas para o partido.
Não é bem assim.
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